Ontem li essa Coluna da Revista O Globo, achei muito boa, e por não achar o texto em lugar algum da internet, achei justo reproduzi-lo.
Eu tinha 12 anos. Minha mãe, uma senhora de opinião, estava descontente com minhas notas no boletim. Nenhuma no vermelho, mas, na opinião dela, um rapaz inteligente como eu não podia tirar menos que oito. Se no próximo boletim viessem notas menores que oito, eu ficaria sem mesada e sem cinema. No boletim seguinte, tirei zero em tudo. Até em canto orfeônico.
Minha mãe, senhora inteligente, entendeu o recado. No fim do ano ganhei a chave de casa. Desde criança, tenho aversão a enquadramentos.
Mais tarde, nos anos 70, em analise com o Eduardo Mascarenhas, ele me confessou:
- Estou com uma puta inveja de você.
- Por que?
- Porque ontem, para entrar no Antonio´s, tive que passar por cima de você, que dormia na porta. Se eu fizesse isso, perderia todos os meus pacientes, inclusive você, que não para de trabalhar.
Na época, eu era um diretores de teatro mais requisitados do Rio. Ganhava uma grana, e tive o prazer de derrubar com amigos todas as garrafas de champanhe penduradas no bar do Antonio´s. Ninguém, então, estava preocupado com meu comportamento, mas com minha competências no trabalho.
Tenho orgulho da minha minha militância boêmia e artística (vide porres e prêmios). Sou da estirpe das cigarras, e quando uma formiguinha trabalhadeira me contesta, sinto pena que ela não esteja aproveitando a vida, a única de que podemos afirmar a existência.
E, de repente, não posso mais chamar um amigo careca de Careca, um companheiro negão de Negão, nem a minha nega de Nega.
Não posso mais contar piada de judeu, nem de galego, nem de turco e, se bobear, o Ibama vai me multar se eu contar uma piada de papagaio.
Tudo virou insulto. Só que o insulto está na intenção de quem insulta. Posso insultar alguém chamando-o de Vossa Excelência. Ou está na sensibilidade do insultado: tem gordo escroto que fica brabo porque o chamaram de gordo. Ou na confusão de elogio com insulto: a moça que fica passada porque foi chamada de gostosa. Ou nas "n" possibilidades de relacionamento humano, Teve um tempo em que era proibido fazer piada de milico. Hoje há um catalogo de impossibilidades, Sem falar nos herdeiros bem-pensantes de falecidos velhos sátiros que conheci.
Enquadre-se a verve carioca! Seja Otario!
Esta paranóia americana pós 11 de Setembro quer enquadrar todo mundo para se sentir segura. O medo cria uma legislação sobre o ilegislável. Eu odeio palitos envelopados. Quero meu açucareiro de volta, meu churrasquinho de gato na esquina, minha sopa de ervilha na birosca da Mangueira. Quero ver meu filho cantando "Atirei o pau no gato, to!"
Querem legislar sobre o meu corpo, meus sentimentos, sobre minha vida, pombas!
Se eu quiser fumar, eu fumo; Se quiser beber, eu bebo. Tenho 70 anos. Direitos adquiridos. Me recuso a viver sob a norma dos tartufos (hipócritas e falsos)!
Ao "vem por aqui" do politicamente correto, respondo como José Régio: "Não sei por onde vou, não sei para onde vou. Sei que não vou por ai."
(Antonio Pedro, Colunista Convidado, Revista O Globo, 11 de setembro de 2011)
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